são seis horas da tarde de domingo. resolvi fazer o impensável para um domingo seis da tarde: redigir o texto da semana. sem muita pretensão, iniciar apenas, disfarçando, querendo e não querendo.
a verdade é que não gosto de ligar o computador aos fins de semana, pois exclusivamente uso para trabalho. houve uma época em que usava para assistir filmes e séries, mas já tem muito tempo que isso mudou. liguei a desgraça e pediu atualização. respirei fundo, entre o “que inferno” e o “até que foi bom isso acontecer agora e não amanhã de manhã”.
decidi começar a odisseia pelo celular, já que o martírio da atualização do "ruindows" está longe de acabar. também não gosto de escrever esse tipo de coisa no celular, pois me dá a impressão de que não estou levando a sério o suficiente.
porém, o mundo tá pouco se lixando para o jeito que gosto das coisas.
vai fazer o que, linda? vai deixar por isso mesmo?
não. toma aqui essa merda.
(calma, gente, foi pro universo)
sei lá por que quis colocar esse título na carta de hoje, mas certamente até o final do texto encontrarei a resposta confia.
o mal não existe, do diretor ryusuke hamaguchi (o mesmo de drive my car), é um relato belíssimo e cruel do avanço do capitalismo nas áreas que ainda conservam alguma paz. nã, o filme não é uma propagandinha didática sobre isso. as coisas simplesmente acontecem, existe uma situação pontual.
os habitantes do vilarejo mizubiki levam uma vida bastante tranquila e conectada com o meio, uma vez que dependem do bom funcionamento dos rios para água pura e coisa e tals. takumi e sua filha, hana, ocupam o protagonismo do filme, ainda que esse foco se dilua para outros personagens no andar da carruagem.
uma empresa quer instalar no vilarejo um glamping — um camping GLAMUROSO — e resolve mandar uma equipe conversar com a população a respeito do projeto e de como aquilo vai ser vantajoso para o vilarejo, porque ai as pessoas vão adorar aqui, porque ai vai gerar empregos, ai porque vocês vão lucrar muito mais. porém, a população não se deixa seduzir com essas promessas que são, de fato, vazias demais em um lugar onde as pessoas já têm suas ocupações, sua dinâmica e rotina em perfeito funcionamento.
a tensão entre os habitantes do local e a corporação filhadaputa faz com que takahashi e mayuzumi (que trabalham pra empresa do glamour do mato) retornem à cidadezinha pra convencer takumi que, se pá, ele sendo zelador eles conseguem esquecer as diferenças e aprovam logo o projeto. takahashi, num momento que fica ambíguo se é sincero ou apenas artimanha, demonstra vontade em aprender sobre o lugarzinho, aquele sonho de retorno ao capim, uma coisa meio alberto caeiro e tals, mas isso tudo fica em segundo plano quando algo bastante grave acontece, muito mais individual e relacionado especialmente a takumi.
o mal, então, não existe. o que existe são circunstâncias que te forçam a tomar uma atitude mais ou menos drástica, mais ou menos má.
o diretor, como já havia ficado evidente em drive my car, sabe usar silêncio e paisagem em favor da história. hamaguchi conduz a pessoa que assiste de modo que ela tenha elementos para interpretar a história sem que seja obrigada a optar por apenas um caminho. o mal não existe foi exibido no dia 14 de setembro no clube de cinema de porto alegre e a maioria do nosso grupinho ali curtiu a experiência, portanto fica a recomendação.
o próximo filme que quero comentar é a animação robot dreams (meu amigo robô), do diretor pablo berger. esse filme me remeteu logo de cara a garota ideal (lars and the new girl), com o ryan gosling, que aborda a solidão e a vontade de preencher o vazio sem os riscos da imprevisibilidade da vida e também sem conflitos.
dog mora em NY e sente o peso da solidão até o dia em que vê o anúncio de um robô na tv. ele faz a compra e passa dias muito agradáveis com seu novo bestie. porém, num dos passeios legais que eles fazem, robot entra no mar e acaba enguiçando na areia da praia. dog promete voltar para buscá-lo, mas a praia fecha no dia seguinte e só será reaberta no dia 1⁰ de junho, ou seja, um tempão do caralho depois.
ambos sofrem, têm terríveis pesadelos com o reencontro, isso tudo numa atmosfera vibrante, afinal é nova york e sua efervescência nunca fui lá. o filme é muito agridoce e deixa a gente num frenesi do seráse ele vai conseguir resgatar o robot? a boa educação me impede de dar spoilers, por isso quero encerrar o comentário sobre robot dreams aqui.
o que me pegou demais foi a questão de comprar um amigo, assim como gosling compra uma namorada, a brasileira bianca, em a garota ideal — que é um filme hilário, ainda que bastante triste.
a vida é feita de escolhas e nunca foi tão fácil escolher. qual filme você quer assistir (se é triste, tem na mubi, se é mais felizinho pode ter em streamings convencionais), escolhe a playlist pra lavar a louça que é diferente da playlist de tomar banho, inclusive escolhe se quer que o motorista do uber converse com você ou te deixe em paz (paga o uber comfort que cê vai ver essa opção). existe um acordo silencioso (nem tanto) de que qualquer coisa pode ser escolhida e se não for do meu jeito, não quero de jeito nenhum (agostinho carrara precisa ilustrar essa passagem).
fiquei pensando o quanto a solidão empurra as pessoas para soluções muito drásticas. o filme de gosling e do robô não são de todo diferentes, mas o de gosling carrega uma agonia, o personagem compra a fanfic de que a bianca é real e simbora, galera, vamo sustentar isso pelo bem do nosso querido irmão e amigo. dog, por sua vez, só precisa de alguém que o compreenda e queira passar um tempo com ele. dancing in september. apenas.
falo isso do ponto de vista de pessoa que mora sozinha e tem vezes que, sim, o fato de estar sozinha incomoda (pensa num dia mais emburacado do que domingo e sozinha no sentido de não estar perto de gente). mas tem dias que reconsidero tudo e acho que pra uma pessoa que tá sempre com pessoas talvez a minha questão seja simplesmente enxergar a paz que é a minha companhia, a paz que é estar deitada no sofá às 18h47 de um domingo enquanto o caralho do inferno do windows ainda não fez a menor questão de atualizar ("preparando o windows. não desligue o computador"), mas olha que foda que cê já escreveu muita coisa guardada sobre dois filmes que te impactaram e te conectam a pessoas muito especiais e, com esse texto, vai ampliar essa conversa. que legal, né?
é mó legal :)
espero que vocês tenham curtido essa conversa tanto quanto eu. comecei o texto com um misto de raiva e desânimo (é o computador!) e terminei levemente alegre (pois domingo é sempre domingo).
até a próxima cartchinha,
sue ⚡
ps: fiquei de dar uma razão para o título e acho que a razão é só que a pior qualidade do ar, as queimadas, as grandes tragédias do presente te fazem repensar a realidade a cada 60 segundos e te obrigam a olhar para as coisas com muita intensidade.
ps2: o texto foi massivamente escrito no celular, os únicos ajustes no computador foram os links e as imagens, algum ajuste pra corrigir repetições e tals. retoquezinhos. até mesmo esse ps2 tá sendo digitado em tela menor. foi uma experiência boa, vai proporcionar que textos de outra natureza apareçam aqui no troço.
Sue, adoro as tuas observações sobre os filmes e a forma como conecta com outros temas.
Que texto lindo, nem dá para reparar que foi escrito no celular! Isso é um grande elogio, viu? Eu quero muito ver O Mal Não Existe e sinto que já fui amplamente contaminada pelos teus reviews, a expectativa está alta. E ainda sigo impactada pelo Meu Amigo Robô, feliz de termos compartilhado esse filme juntas nesse final de semana. Dancing in september!