alguns livros na vida (alguns filmes, pinturas, céus, sóis, frestas e pessoas) nos arrastam para o centro de um furacão de sentimentos. crime e castigo, os miseráveis, a fúria e outros contos, a trilogia de nova york são alguns exemplos de obras que me deixaram em estado de “qq tá contesendo????????” (sim, muitas interrogações).
existe algo que puxa, mas não só puxa, algo que acaba fazendo com que o corpo se debata nas laterais de um poço, a descida desconfortável de viver uma história que não é nossa. isso é o que eu classifico de “livros aaaaaaaaa” (por escrito é bem difícil expressar isso). e tem os “livros huuummmm”.
os livros aaaaaaa causam essa confusão de sentimentos, a vontade de chegar ao fim, um incômodo, uma coisa. os livros huuuummm despertam uma curiosidade calma, uma vontade de companhia. livros aaaaaa, quero o fim. livros huuummm quero ler cinco páginas por dia e ficar bem com isso.
oração para desaparecer, de socorro acioli, faz parte dos livros huuummmm.
daqueles livros muito bons, envolventes, mas que despertam mais um sentimento de tranquilidade do que uma adrenalina insana. pelo menos foi assim que senti essa história: mesmo com um evento interessantíssimo e misterioso como pontapé inicial, não havia pressa e nem razões pra pensar que todas as coisas teriam uma explicação lógica.
uma mulher é desenterrada em almofala, portugal, por um casal, florice e fernando, que estava a sua espera. é preciso dar banho nessa mulher, alimentá-la e esperar que ela lembre algo de sua vida passada através dos sonhos. o problema é que os sonhos não chegam. como resolver esse mistério? essa é a premissa de oração para desaparecer.
socorro acioli dosa muito bem as frases de impacto — nem todos escritores contemporâneos sabem a medida exata, querem impactar a cada frase. geralmente ao final dos capítulos ela deixa esse aconchego em forma de frase e a gente pode pousar o livro de novo na mesa de cabeceira pra voltar no dia seguinte.
um exemplo disso é o final do capítulo 7, da parte 1:
— sobre o caderno, anotei todos os dias restos dos sonhos, nem que fosse uma só frase, palavra, sensação. alguns reverberavam na cabeça por dias, era como registrar meu avesso a cada vez que anotava um sonho. nunca houve nenhuma revelação clara, mesmo assim. não perdi as esperanças, escrevi sempre, fiz o que pude.
— viver é sempre isso, fazer o que se pode.
socorro acioli, em oração para desaparecer (2023), página 69 da companhia das letras
não sei por qual motivo, talvez porque tenha sido replicado muitas e muitas vezes, mas lembrei do começo do livro diário de inverno, do paul auster. é um livro huuummm com alguns momentos aaaaaaaa. mas esse início me quebra todinha que é como se ele fosse um livro aaaaaaa. deu pra entender isso?
você acha que nunca vai acontecer com você, que não pode acontecer com você, que você é a única pessoa no mundo com quem nenhuma dessas coisas jamais há de acontecer, e então, uma por uma, todas elas começam a acontecer com você, do mesmo modo como acontecem com todas as outras pessoas.
(nessa parte eu já tô gritando “auster, seu filho da puta, você me pagaaaaa”)
(adiante)
fale agora antes que seja tarde demais, e torça para que você possa continuar falando até não haver mais nada a ser dito. o tempo está se esgotando, no final das contas. talvez seja melhor deixar de lado as suas histórias por ora e tentar examinar a sensação de viver dentro deste corpo, desde o primeiro dia de sua vida do qual você se lembra até hoje. um catálogo de dados sensoriais. o que poderia ser denominado fenomenologia da respiração.
(auster seu filhodaputa, apenas isso que me resta dizer)
paul auster, diário de inverno, companhia das letras, kindle
o outro livro da socorro acioli, a cabeça do santo, também é companhia tranquila, sem grandes taquicardias e que bom né, pra passar mal já basta ter que trabalhar ou ir ao supermercado. comentei um pouco sobre o livro nesta carta fascinante.
erico verissimo (é sem acento mesmo, gente) também é um exímio escritor de livros hhuuummmm. divertidos, ácidos e ótimos companheiros.
mais exemplos de livros aaaaaaa: a poesia de orides fontela, a filha perdida, de elena ferrante, segredos, de domenico starnone (indico tudo que esse véi italiano maravilhoso escreve).
podcasts aaaaaa e podcasts hhhuummm
na categoria huuuummm escolhi dear hank and john, dos irmãos john e hank green, sim o mesmo john que escreveu a culpa é das estrelas. por alguma razão eu simplesmente me sinto em casa quando ouço a voz do john green, talvez por ter me habituado à loucura dele quando consumia muita coisa do excelente site mental floss. nos episódios, hank e john respondem perguntas enviadas pelos ouvintes e é simplesmente hilário. esse podcast é em inglês.
na categoria aaaaaa dessa semana está aqui o INSANO episódio da rádio escafandro sobre um troço chamado shifting que fez eu me sentir uma idosa de 98 anos na internet. é bizonho o quanto a gente não sabe do que acontece no submundo nem tão sub assim das redes esse podcast é em português.
dito isso, quero SHIFTAR pra minha DR (desired reality) onde sou apenas uma mulher que lê e ouve música o dia inteiro, sem contas pra pagar, nem trabalhos para trabalhar. porém, minha CR (current reality) é terminar de escrever essa carta e sair para o último turno de aulas da semana, depois é FRIDAYED, ok???
ao contrário de socorro acioli que encerra capítulos com frases super impactantes, não consigo fazer tal coisa.
novos assinantes gratuitos, aos novos assinantes que apoiam essa news financeiramente, aos novos seguidores que leem essa news no app da substack: obrigada pela leitura! o espaço aqui é meio bagunçado, sem dias muito certinhos de publicação, mas o importante é estar plenamente e sincera nas publicações.
um bêjo!
sue ⚡
é que o aaaaa e o huuummm são muito subjetivos, ia dar muita confusão organizar assim. e sim poxa a socorro é muito socoooorrrro, q maravilhouser. ^^
fiquei imaginando as estantes da biblioteca com plaquinhas: livros aaaaaaaa e livros huuummm ;))) eu, literalmente, acabei de ler A Cabeça do Santo e ontem comecei o Oração Para Desaparecer e meio que achei que o nome da autora explica muita coisa, Socorrooooo, que escrita maravilhosa!! Já dei uma busca no app BibliOn pra ver os outros livros que citou e os que têm tão emprestados :(((