the bear é uma das melhores surpresas no quesito séries dos últimos 3 anos. produzida pelo FX e disponibilizada no bê-érre pela star plus, a série mostra a história de carmy (and friends), um chef renomado que retorna à cidade natal para assumir a lanchonete da família, a qual operava sob o comando do falecido irmão, mike.
a primeira temporada, muito dos primeiros episódios, é uma espécie de pesadelo na cozinha. embora com a postura enérgica de quem precisa assumir as rédeas da bagunça, carmy tenta instaurar um clima de amizade e cooperação (mesmo na base do grito) para que tudo possa andar minimamente nos trilhos.
gosto bastante de como a série é conduzida, as cores das coisas, principalmente dos enormes olhos azuis de jeremy allen white, os detalhes de quando eles estão preparando os pratos, os diálogos, os closes, os gritos. tudo se desenrola de forma desenfreada e a emoção está sempre no seu nível mais alto.
na segunda temporada, após a reformulação do restaurante original, the beef, cada personagem passa por uma formação, por assim dizer. o tema dessa carta nasceu de uma dessas formações.
richie, primo de carmy, passa por uma espécie de estágio num restaurante top dos tops. meio a contragosto, richie aprende a importância dos mínimos detalhes e como cuidar das pessoas, da experiência das pessoas, pode ser recompensante (recompensador? recompensatório? me perdi na possibilidade da palavra). me refiro ao episódio forks (2x07).
nos seus últimos momentos no restaurante, richie conhece a chef terry, interpretada pela sensacional-me-faltam-palavras-pra-elogiar olivia colman. eles ficam um maior tempão descascando cogumelos, conversando sobre seus backgrounds, o medo de mudar as coisas e tal. chega um momento em que terry diz que o tempo fazendo isso (descascando cogumelos) é “time well spent” (um tempo bem gasto, em tradução literal. me surgiu uma coisa sobre o sentido do verbo spend, mas não vou alongar o parênteses).
me ocorreu o quanto esse trabalho de cozinhar é bonito, ainda que eu tenha uma dificuldade enorme em engajar nisso. as atividades manuais — cozinhar, bordar, fazer tricô, fazer cerâmica, pintar, recortar, levantar paredes, limpar, trançar —, possuem uma coisa que me passa muito essa paz, a tranquilidade do tempo bem investido.
daí me veio esse pensamento de que o amor vem das mãos. talvez um amor mais nos termos da bell hooks, ainda que eu não tenha lido o livro dela sobre o tema. pensei que não tinha nada a oferecer nessa modalidade, mas… peraí. eu escrevo. a escrita tem um quê de manual, ainda que seja muito mais voz, muito mais cadência. a respiração. a gente ama com o corpo inteiro no fim do dia.
sobre o tema da atividade manual, lembrei do grande filósofo que me acompanhaou nas reflexões sobre poesia e imaginário e, vez por outra, segue me inspirando e me atormentando, gaston bachelard. em a terra e os devaneios da vontade, ele fala sobre o trabalho das mãos:
mas, evidentemente, a realidade material nos instrui. de tanto manejar matérias muito diversas e bem individualizadas, podemos adquirir tipos individualizados de flexibilidade e de decisão. não só nos tornamos destros na feitura das formas, mas também nos tornamos materialmente hábeis ao agir no ponto de equilíbrio de nossa força e da resistência da matéria. Matéria e Mão devem estar unidas para formar o ponto essencial do dualismo energético, dualismo ativo que tem uma tonalidade bem diferente daquela do dualismo clássico do objeto e do sujeito, ambos enfraquecidos pela contemplação, um em sua inércia, outro em sua ociosidade.
Bachelard, A terra e os devaneios da vontade, 2001, p. 21
o deveneio da vontade é por si só o devaneio da dominação da matéria, do embate, a mão deseja talhar, forjar, amassar a matéria. é uma piração total, recomendo muito a leitura. a terra é um elemento tão complexo que o bachelard teve que desenvolver o imaginário de duas categorias: o devaneio da vontade e do repouso. mas isso é assunto para outra news. (ou você pode ler a minha tese aqui).
a bedside table dessa semana foi lotaaaada, que orgulho dessa pessoa.
terminei o caminho imperfeito — que surpresa maravilhosa esse livro.
ele começa meio intrigante e, depois, parte para algo mais autobiográfico/descritivo dos lugares de bangkok (que nervoso o português de portugal ser banguecoque, meu deus que palavra feia). só que chega um momento em que esse relato fica mais próximo da vida do que significa estar no mundo e escrever. tem uns trechos maravilhosos, como esse (sim, fiquei com preguiça de digitar o trecho):
ainda com josé luís peixoto, senti vontade de reler a criança em ruínas e ler morreste-me (sim, eu tenho predileção por ler livro triste quando é finaleira de domingo e o mundo parece que vai acabar — rindo de nervoso).
descobri (na verdade foi a minha irmã) que o grande sol astro maior neném da vida amor total meu deus absoluto, PAUL AUSTER, lançou livro novo em outubro e estou DOIDA.
baumgartner conta a história de um escritor processando o luto pela morte da esposa. como eu tô com uma preguiça absurda de escrever um resumo, deixo aqui o áudio que mandei pro meu amigo bruno de oliveira, outro viciadinho em paul auster: (a descrição é de todo o primeiro capítulo)
depois desse primeiro capítulo frenético as coisas meio que perderam a tração pra mim, mas ok, digamos que seja um pouco do que ele fez em o livro das ilusões (só que, ao menos por enquanto, sem o frisson da busca por objetos). semana que vem eu conto tudo sobre.
merchan ruído branco
no site da gênio editorial você pode adquirir um livro de poemas muito legal, de uma escritora estreante e que precisa vender seus livros e meu deus como é difícil vender a arte na internet. apoiem a cena!
(toda semana criando anúncios cada vez mais atrativos)
eita, hoje falei pra caramba, cansei.
quem é assinante pago vai receber em breve algum escrito inédito de minha pessoa, aguardem!
os assinantes grátis podem me esperar semana que vem.
termino com peixoto em o caminho imperfeito, “escrever é cometer os erros certos”.
fim da newsletter
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