essa é uma newsletter semanal que, até hoje, falhou o envio pouquíssimas vezes.
mesmo sem ter nada muuuito interessante a dizer, alguém separava um tempo do dia para ficar em contato com esse espaço mágico do vazio, do desconhecido.
leitores potenciais do outro lado, vivendo suas vidas bem belos seriam, eventualmente, surpreendidos pela chegada de mais uma mensagem.
“tô cansada”, “tô triste”, “bah felizona hoje”, “li esse livro e achei bom”, "vi esse filme e que decepção”, “essa série é muito boa”. para cada experiência cotidiana documentada sob um viés transcendental, como se qualquer experiência subjetiva valesse tanto a pena assim ser relatada, uma resposta em forma de coraçãozinho, mensagem, e-mail.
“me identifiquei muito”. “bah, amiga, também tô assim”. “ainda não li esse livro, vou ler”.
a newsletter, para mim, é um fenômeno. de autoria e de leitura.
não apenas adoro dedicar um tempo para a escrita desses textos, com assuntos que me mobilizam de tantos jeitos, até meio excessivos por vezes (paul auster, esquadrinhar ted lasso e succession, por exemplo), como também adoro ler o que as pessoas escrevem.
é tanta gente produzindo coisas legais e de modos diferentes. todas as que eu mais adoro estão na aba “recomendações”, e de tempos em tempos gosto de retomar, citar, dialogar com essas pessoas de alguma forma.
nesse momento quero conversar com o puxadinho do luri. a carta Isso encolhe seu mundo me bateu fortíssima. nela, luri diz assim:
Pensa, por exemplo, num quadro que você amou quando viu na loja. Naquele momento, ele era tudo que você queria. Então, você compra e leva pra casa. Assim que você o pendura na parede, ele já perde um pedaço da magia. Ele fica ali até o ponto em que é só um bloco retangular na parede, quase uma mancha sem significado. Cada vez que me deparo com aquilo que gosto, aquela coisa fica um pouquinho menos interessante. Na dúvida, é só esperar o tempo agir. Nada dura de verdade. Essa realidade é apavorante. Tem gente que não quer nem ouvir. Mas é assim que é.
nessa carta, o luri tá pensando o quanto perseguir aquilo que a gente gosta e se aninhar no conforto das coisas que gostamos muito deixa nosso mundo menos versátil e interessante, pequeno. é claro que isso é um resumo, tem muito mais coisa que ele explora. uma delas é o acolhimento das coisas que nos doem, as coisas de que não gostamos.
a tecnologia não modificou a busca pelo prazer daquilo que gostamos, mas potencializou essa dopamina on demand. não quero fazer um texto problematizando rede social. this ship has sailed, gente. vamos aceitar.
a partir da expressão (um clique) daquilo que gostamos, nos é oferecido no cardápio apenas variações do mesmo assunto. sobra pouca ou nenhuma margem para ser surpreendida no mundo onde você fala a palavra cafeteira e vê o anúncio disso pelos próximos sete dias.
mas voltando.
luri imagina um cenário onde seria possível dizer sim a tudo: experiências boas, ruins, experiências do conhecido e do desconhecido. sentimentos e situações ruins são inevitáveis. não é mais fácil viver e compreender essas situações do que tentar evitá-las? é para se pensar.
[parênteses] tem um filme com o jim carrey (yes man) que ele passa a dizer sim para tudo depois de ir numa convenção de pessoas que querem aprender a dizer sim (nossa, tudo começa com um coach em cima dum palco vendendo uma ilusão, né?). sinceramente não lembro se o filme aborda também o quanto dizer sim pra tudo pode ser meio que uma emboscada, mas tá aqui a referência.
outra carta que me pegou de jeito essa semana foi da vanessa guedes, da segredos em órbita. o que é uma vida boa e por que não temos uma? vai muito além da história do submarino. nessa escrita, vanessa questiona como podemos criticar tanto a gente rica exploradora quando, no silêncio da noite, o sonho é ser um deles.
O submarino faz as vezes de guilhotina. Mas as mesmas pessoas que — apropriadamente — dizem que milionário bom é milionário morto, também declaram “quando eu ganhar na mega sena, vou viajar o mundo e comprar uma casa para meus pais/amigos etc”. As pessoas odeiam milionários ao mesmo tempo que sonham em ser um, na expectativa de poder mudar as vidas de outras para melhor. Na esperança de proporcionar uma boa vida para si, para quem se ama e para quem precisa de ajuda.
bem, acho que um dos fatores da boa vida seria justamente não ter ansiedade por não saber se no mês seguite você terá como pagar todas as contas básicas de moradia e alimentação. porém, sabemos, isso é (pun intended) só a ponta do iceberg, já que “a gente não quer só comida e casa” e nem apenas isso garante uma boa vida. uma boa vida é feita de experiências. as experiências boas e ruins que uma vida possa apresentar. é colocar o corpo em jogo, sentir o vento na cara e, às vezes, a chuva inesperada também.
parágrafos depois, a vanessa traz para o centro da sua reflexão o livro Alienação e aceleração: Por uma teoria crítica da temporalidade tardo-moderna, de Hartmut Rosa e pensa o conceito de alienação a partir daí.
nesse sentido, alienação e descanso viram sinônimos (que mal tem eu ficar scrollando o instagram ad infinitum? me lasquei o dia inteiro trabalhando, posso me permitir não pensar, eu não quero ter que pensar — é um sentimento recorrente por aqui). mais adiante, vanessa arremata:
Na minha visão, esse declínio da confiança no tempo é uma brecha onde a alienação nos pega de jeito. Se me sinto deprimida com o que me aconteceu nos últimos dias e angustiada com o que pode acontecer nos próximos, a única coisa que resta para o momento de agora é fugir da agonia que é estar viva. É entrar no buraco do TikTok, Instagram ou qualquer outro meio de alienação fácil — pois a ansiedade e a expectativa tornam impossível me fazer presente no aqui e agora.
e um pouco mais adiante:
A religião ditava as regras do que deveríamos fazer para alcançar a vida eterna, a morte ideal. Hoje, essa eternidade está mais ligada a ideia de vida; quanto mais experiências tivermos, mais eterna se parece nossa vida. Mais interessante nós aparecemos para os outros (as redes sociais estão aí para confirmar a teoria). O medo da morte se traduz na vontade de fazer um milhão de coisas. O resultado direto disso é a sensação de que não temos tempo para nada, pois aceleramos tudo o que podemos a fim de viver cada vez mais e em menos tempo.
essa aceleração das coisas, estilo kubitschek (viver 50 anos em 5) pode ser pensada através de muitas metáforas que sustentam essa ideia muito antes das redes sociais.
“a vida é um sopro”, “o tempo voa”, “tudo passa rápido” não é coisa que surgiu nos últimos 30 anos. a angústia diante da vida, para que fosse exuberante e interessante, ainda que tivesse jesus de braços abertos te esperando no paraíso, ocupa páginas e páginas de literatura. páginas de livros de história, de livros religiosos. ter uma vida virtuosa, fazer tudo valer a pena, pois o tempo voa e um dia você não estará mais aqui. tenho muito certo que a morte é um fenômeno dos vivos e não de quem morre, mas sobre isso posso falar em outra oportunidade.
vou encerrar esse meu devaneio pedindo para que leiam os textos do luri e da vanessa, pois são muito mais profundos do que a minha tentativa de síntese.
em um fim de semana, me diverti com o complexo de portnoy, de philip roth. alexander portnoy é um advogado judeu nascido nos estados unidos que despeja no divã todas as angústias de ter nascido em uma família judia e todos os traumas que sua mãe e seu pai lhe imputaram, bem como seus episódios de desmedida sexual. mãe, pai, édipo, sexo numa sessão de psicanálise, um prato cheio.
o livro é extremamente dinâmico e divertido, acho que foi por isso que entrei em suspensão e terminei tão rápido.
5 ⭐
succession, além de uma história envolvente, possui uma trilha sonora deliciosa. embora muitas passagens sejam apenas variações do tema de abertura (o que eu adoro, pra ser bem sincera) em allegros, adagios e andantes, é o tipo de playlist que você deixa rolar e pode olhar pro teto e pensar na vida ou ler um livro em paz. música clássica meio que combina com a vibes calma ou então arranca rabo familiar de gente rica. pura finesse!
nesse vídeo, o compositor nicholas britell explica como criou as músicas <3
que surto foi esse?
na carta extraordinária tentei exercitar uma newsletter sem pessoa. sem “eu”, “meu”, “nosso”. nenhuma referência a pessoas, apenas coisas escritas. um texto sem subjetividade. ou melhor, a subjetividade perceptível apenas no tema. será possível, será algo desejável tirar o self do texto?
sei lá.
merchan do ruído branco
é difícil a vida de escritora independente, viu? meu livro de estreia está à venda no site da gênio editorial em todo território brasileiro. quer um autógrafo? tem que vir a porto alegre buscar.
por hoje estamos conversados.
sue ⚡
gente, que coisa mais linda!
segunda vez em umas duas semanas que alguém menciona esse filme do Jim Carrey pra mim. Vou encarar como um sinal e engatar essa sessão da tarde. Hahaha
obrigado pelo abraço literário. 🫂
MULHER! a admiração é mútua.
quanta sensibilidade ✨️não posso deixar de te ver na próxima ida a POA, peloamor. já guarda um exemplar do ruído branco pq vou pegar um contigo!