após o falecimento de paul auster (30 de abril de 2024), embarquei em mais uma (re) leitura de the invention of solitude. fiz isso por duas razões: por necessidade de me segurar ao máximo nas palavras dele e, em segundo lugar, porque esse era um dos espaços de segurança. desde nossa outra tragédia mais recente (pandemia, 2020), me recolho em livros já conhecidos para colocar os sentimentos em ordem. ajuda um pouco.
nos primeiros momentos da segunda parte da invenção da solidão (intitulada o livro da memória), auster fala de um sentimento que denominou “nostalgia do presente”, uma espécie de incapacidade de estar no aqui-agora, pois sua mente o carregava para o passado.
em white spaces (espaços em branco), que compõe o livro todos os poemas, auster retoma pontos da invenção (ou será que foi o oposto?):
something happens, and from the moment it begins to happen, nothing can ever be the same again.
traduzindo:
algo acontece, e a partir do momento em que começa a acontecer, nada poderá voltar a ser como era.
paul auster, todos os poemas, trad. caetano w. galindo
não sou especialista em auster, o que conheço e falo sobre ele parte apenas das leituras que faço. porém, talvez um dia pesquise — e encontre — que a invenção da solidão é o embrião de onde nascem todos os outros livros dele. frases inteiras reverberam quase que literalmente em outros e em outros e em outros. recomecei 4 3 2 1 e é impressionante o que auster está fazendo nessa história. é o grande livro, é o livro dos livros. o mundo inteiro está ali.
na ânsia por encontrar sustentação, retomei no país das últimas coisas, o primeiro auster que li. na época, apesar de ter achado muito bom, não me despertou vontade de sair lendo tudo dele. foi um período complicado pra fazer isso, pois estava terminando meu doutorado. li muitas coisas “que não precisava”, e ficar obcecada por mais um escritor teria sido (mais ainda) a minha queda.
esse, talvez, entre para a lista de “inícios foda da literatura”:
estas são as últimas coisas, escreveu ela. uma a uma, vão desaparecendo para nunca mais voltar. podia lhe falar nas que vi, nas que já não existem, mas duvido que haja tempo. tudo vem acontecendo muito depressa, já não consigo reter os fatos.
não espero que compreenda. você não viu nada disso e, mesmo que tentasse, não conseguiria imaginar. são as últimas coisas. uma casa está aqui um dia e, no outro, sumiu. uma rua pela qual você passou ontem já não existe hoje. até mesmo o clima flui constantemente. a um dia de sol, segue-se um de chuva, a um de neve, sucede-se um de neblina. calor, depois frio, vento, depois calmaria, um período de frio intenso e, de repente, hoje, em pleno inverno, uma tarde luminosa, quente a ponto de só se precisar de um suéter. quem mora na cidade não tem garantia de nada.
paul auster, no país das últimas coisas (1987), traduzido por josé vieira de lima
escrito no final dos anos 80 e com ecos tão fortes no presente, uma narrativa atual. distopias têm essa característica: não apontam para um futuro, apenas mudam as camadas do que já está acontecendo.
it is sometimes necessary not to name the thing we are talking about. / às vezes é necessário não nomear a coisa sobre a qual estamos falando.
paul auster, todos os poemas, trad. caetano w. galindo
mais adiante, ainda em white spaces, ele diz:
dedico estas palavras às coisas da vida que não compreendo, a todas as coisas que desapareceram diante de meus olhos. dedico estas palavras à impossibilidade de achar uma palavra igual ao silêncio dentro de mim.
paul auster, todos os poemas, trad. caetano w. galindo
com isso me despeço. a todos os amigos escritores de newsletter/leitores dessa newsletter que me mandaram mensagem nos últimos dias: obrigada, de coração.
no entanto, não conseguirei ser a testemunha do rio grande do sul e acho que nem quero isso. estou bastante ciente da minha irrelevância e pequenez diante do mundo e dos acontecimentos. fiz tudo o que pude e seguirei fazendo tudo o que estiver ao meu alcance. mas sou um ser bastante limitado e ciente, também, das minhas falhas.
até outra carta,
sue ⚡